Por Marcellus Ugiete*
– Sobre a ideia, ou expectativa da Delegacia da mulher funcionar a noite e nos finais de semana -, quero me debruçar sobre esse tema, pois vejo com preocupação a questão da violência contra a mulher, em especial as ações estatais nesse contexto, que fazem mais “fumaças” que os resultados alcançados.
Entendo a pretensão, seria muito bom se isso fosse possível, mas é simplesmente um bom discurso.
Em primeiro lugar não se elimina ou diminui as agressões físicas ou psicológicas contra a mulher tão somente com ações de segurança pública, ou se atendendo a um só lado, como se não existisse o outro.
É preciso se mexer na educação, no trabalho educativo e preventivo com o homem e com as famílias – enfim com os envolvidos -, claro sem se olvidar de “meter a colher” sim para punir o infrator e usar dos mecanismos legais para coibir novas agressões.
Diria mesmo que é um trabalho multidisciplinar e que deveria ter um foco também de formar gerações.
Não adianta abrir ou estender o expediente de um serviço público se as condições, a estrutura não tem condições dignas de atender nem o horário ordinário.
Penso que a primeira coisa a se fazer é estruturar a delegacia da mulher – estrutura física, funcional, número de servidores e condições dignas de trabalho.
Para atender todo o Recife a delegacia da mulher reside em um prédio antigo que sediou entre outros órgãos a Delegacia de roubos e furtos de veículos, e lembro bem quando lá fui pela primeira vez e era ainda estagiário de direito, isso já soma mais de 46 anos.
Não por ser um prédio antigo, mas por ser antigo, com estrutura antiga, deficitária e que faz vergonha.
Estive lá ontem numa audiência e vi a situação que os (as) agentes e os delegados e delegadas trabalham.
É um descaso dos governos anteriores e se o atual governo quiser fazer um gesto que não seja só uma cena para a causa da violência contra a mulher, o primeiro passo é dar à delegacia da mulher um espaço digno, suficiente e que tenha a total condição de atender as diversas causas que a especializada demanda.
Na verdade diria que as acomodações da principal delegacia da mulher do Estado de Pernambuco, traz os sinais que a causa da mulher ou da violência contra mulher não foi e não tem sido prioridade de uma política pública séria.
Esse tema poderia ser uma prioridade de pauta e cobrança da nova Secretária da Mulher e de outros órgãos que lutem pela causa.
Salvo melhor juízo, não adianta fazer uma cena com a abertura da Delegacia da Mulher no período noturno, feriados e finais de semana, apenas para sacrificar os servidores e a quem necessita dos serviços, pois, repita-se, a estrutura é extremante precária para a demanda e a importância do serviço e a quem ele se destina.
Só para exemplificar, tem um corredor, talvez de menos de 1 metro, e nesse corredor no 1o andar, sem ventilação ou se condicionado, é onde “se acomoda” a vítima (mulher) ou a pessoa acusada, enfim um calor, um desconforto insuportável e vi uma senhora que me acompanhava revelar que estava se sentido mal em face daquela condição.
Então, e, que me permita a ousadia de opinar, penso que neste caso é melhor preparar a casa para receber a visita.
Não adianta impor ou exigir mais serviços – necessários sim -, sem apresentar as condições necessárias à quem se destina o serviço, aos servidores que irão realizar a prestação do serviço e ao público em geral.
Finalizo afirmando que já vi esse filme ene vezes.
O serviço é “trazido” e a ordem é: realizem, se virem.
Politicamente aparece na mídia “aquela ideia e aquele arremedo de correto gesto público”, no entanto, a sociedade continua a padecer da inércia ou omissão estatal.
Realço que, salvo para fazer carnaval, “maquiagem política” com a política do pão e do circo, quando o poder público paga diária de plantão para a área de saúde e outras áreas com valor até maior que o salário mensal do servidor, é que se parece que exista uma preocupação com o social.
Passou o carnaval, a realidade vil volta a ocorrer. Todos e todas sabem. Lamentável.
Será que veremos um momento que essa causa da violência contra a mulher deixe de ser apenas uma questão de números, de estatística, de segurança pública e passe a ser uma questão também social, de políticas sociais básicas inclusivas e sérias?
Espero viver para ver.
É isso.
*Marcellus Ugiette é Professor de Direito, Promotor de Justiça aposentado, Especialista em Ciências jurídicas e criminais
Mestrado em Criminologia Forense.
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