Felipe Sampaio*
Dona Antônia esperava o caminhão da água, no Sertão, quando soube que a Operação Carro-Pipa estava suspensa. O episódio que afetou inúmeros nordestinos há alguns dias equivale a jogar fora a bússola e o mapa do desenvolvimento regional.
Em um país que não planeja, a governadora Raquel Lyra tem a chance, no nível estadual, de reinaugurar a cultura de planejamento, projetando um Pernambuco de longo prazo, de olho em problemas novos, como a emergência climática, e antigos, como a desigualdade.
Planejar é mais do que um ato administrativo. O planejamento é a ponte que liga a esperança ao objetivo. Se navegasse pelo Capibaribe, o filósofo Sêneca perguntaria “qual vento é bom para quem não sabe aonde vai”.
Raquel Lyra chega ao governo como portadora da esperança. É mulher, jovem, dinâmica e qualificada. Em regiões vulneráveis à desigualdade, como o Nordeste, a esperança tem valor redobrado. Por isso, planejamento não é coisa que se decida em gabinete.
O Brasil é uma das sociedades mais desiguais do mundo, mesmo orbitando entre as dez maiores economias. Por aqui, o 1% mais rico fica com metade do bolo, segundo relatório do Credit Suisse Institute (site Monitor Mercantil). Em grande parte do Nordeste ainda se vê o mesmo modo de divisão da riqueza que fundou o Brasil.
Falar em desigualdades regionais chegou a ser crime por essas bandas. Celso Furtado, nos anos 60, foi “cassado de direitos”. Ao querer uma Sudene para propor diretrizes e projetos de desenvolvimento na região, tornou- -se “suspeito de atentar contra a segurança do país” (como Arraes e Paulo Freire). Enquanto isso, na Colômbia, cidades degradadas pela violência e pobreza alcançaram condições de vida invejáveis, graças a planos de desenvolvimento bem elaborados (e realizados!).
Na Europa, a desigualdade regional é assunto estratégico para a soberania nacional. A partir da redemocratização, Pernambuco experimentou bons modelos para escuta e consolidação de demandas sociais.
Raquel Lyra era menina quando Jarbas Vasconcelos implementou na capital a Prefeitura nos Bairros. Com os prefeitos do PT, veio o Orçamento Participativo. Eduardo Campos trouxe o Todos por Pernambuco e a Gestão por Resultados. Contudo, vale admitir que esses métodos não resultaram em planos de desenvolvimento para médio e longo prazos, não raro, rendendo-se às ‘prioridades’ eleitorais.
Houve ainda programas importantes como o Prorual, Promata, Prometróplole e o Pacto pela Vida. Mas não deixaram legados estruturantes. Bem ou mal, tudo isso compõe o aprendizado de Pernambuco que, somado a órgãos como AD Diper, Condepe/Fidem, Aries, Porto Digital, Suape, Sudene e outros, possibilita à governadora ressuscitar o planejamento no Nordeste.
A cartilha (participativa, igualitária, transparente e efetiva) está nos sites e publicações de Medelín e Europa. Raquel Lyra tem o desafio de envolver, com humildade e coragem política, os diferentes setores da sociedade, para formular planos que transcendam seu mandato e seu partido.
Se persistir dúvida de por onde começar, basta perguntar a Dona Antônia.
* Foi assessor dos ministros da Defesa (2016-2018) e da Segurança Pública (2018); ex-secretário executivo de Segurança Urbana do Recife; membro do Centro Soberania e Clima (publicado no Diário de Pernambuco, no dia 22 de dezembro)
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