Por Raquel Gallinati*
O presidente Lula assinou o novo decreto de armas, criado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública do Brasil. Esta nova legislação estabelece regras mais rígidas para a posse e porte de armas, tanto para defesa pessoal quanto para caçadores, atiradores e colecionadores.
Dentre as mudanças está a diminuição na quantidade de armas e munições permitidas para civis, limitando a posse a duas armas e 50 munições por arma, anualmente, podendo ter exceções em categorias específicas. Caçadores agora precisam pertencer à categoria “excepcionais” e requererem autorização do IBAMA para terem acesso a um número maior de armas e munições. Para os colecionadores, a legislação limita a posse a um único exemplar de cada modelo, tipo, marca, variante, calibre e procedência de arma. No entanto, estão proibidas as armas automáticas e as longas semiautomáticas de uso restrito cujo primeiro lote de fabricação tenha menos de 70 anos.
Também houve uma restrição na posse de alguns calibres de armas. As pistolas 9mm, .40 e .45 ACP, voltaram a ser de uso restrito e as armas longas de alma lisa semiautomáticas independentemente do calibre passaram a ser de uso restrito. Além disso, foi eliminado o porte de trânsito municiado para caçadores, atiradores e colecionadores. Estes agora necessitam de uma guia de tráfego para transitar com as armas de fogo registradas em seus acervos – desmuniciadas, em trajetos preestabelecidos e por períodos pré-determinados. Os clubes de tiro tiveram seu horário de funcionamento limitado, podendo operar somente entre as 6h e 22h.
O novo decreto também estipulou limites para a validade dos registros de armas. Para colecionadores, atiradores esportivos e caçadores excepcionais, o prazo é de três anos. Para registros concedidos para posse e caça de subsistência, ou para empresas de segurança privada, o prazo é de cinco anos. Quanto aos integrantes das forças de segurança, a validade de seus registros de armas de fogo é indeterminada.
Finalmente, as competências relacionadas a atividades civis que incluem armas e munições passarão gradualmente para a Polícia Federal. Com isso, a PF passa a exercer funções como definição, normatização e fiscalização de atividades e procedimentos.
No entanto, essa política de restrição à posse de armas de fogo, estabelecida em 2003 pelo Estatuto do Desarmamento, tem sido objeto de contínua discussão no Brasil. Política esta que não conseguiu reduzir os crimes violentos no país, pois apenas desarma os cidadãos respeitadores da lei, enquanto os criminosos, que se abastecem de armas ilegalmente, não são afetados por essas restrições. Nestes casos, a legislação de controle de armas pode criar uma disparidade perigosa onde a população cumpridora da lei é desarmada e os criminosos permanecem armados.
Essa situação ressalta a importância de considerar uma variedade de fatores além das políticas de controle de armas para a redução efetiva da violência e da criminalidade. Países como a Alemanha, a Suécia e a Áustria, cujas taxas de homicídios são muito baixas, possuem mais de 30 armas de fogo para cada 100 habitantes. Por outro lado, Honduras, o país mais violento do mundo, tem proporcionalmente muito menos armas – 6 para cada 100 habitantes. Nos Estados Unidos, onde a população pode possuir armas em casa, houve uma queda acentuada na violência na última década, enquanto a venda de armas se intensificou.
Logo, podemos chegar à conclusão de que não existe uma relação direta, científica e matemática entre restringir a posse de arma da população e a redução de violência ou de homicídios. Em contrapartida, existe uma correlação reconhecida entre a diminuição da violência e a restrição do tráfico ilícito de armas. As armas ilegais são utilizadas na prática de crimes, incluindo latrocínios, homicídios, e atividades associadas ao crime organizado. Quando o tráfico de armas é eficientemente combatido e o acesso a armas de fogo ilegais é reduzido, geralmente observa-se uma diminuição nas taxas de criminalidade violenta.
Combater o tráfico de armas ilegais é urgente, e deve ser parte de uma estratégia de segurança pública mais ampla que também aborde as raízes sociais e econômicas da violência e garantir que existam vias legais e seguras para aqueles que desejam possuir armas de fogo para legítima defesa, caça, tiro esportivo, colecionador ou mesmo atividades recreativas.
*Raquel Gallinati é delegada de polícia; pós-graduada em Ciências Penais, em Direito de Polícia Judiciária e em Processo Penal; mestre em Filosofia; diretora da Associação dos Delegados de Polícia (Adepol) do Brasil; e embaixadora do Instituto Pró-Vítima