A recente declaração da vice-governadora do Distrito Federal, Celina Leão, de que Jair Bolsonaro não poderia ser encaminhado ao Complexo Penitenciário da Papuda por falta de condições adequadas carece de fundamento jurídico. Segundo ela, o ex-presidente, condenado a 27 anos e 3 meses de prisão, necessitaria de cuidados médicos especiais em razão de sua saúde debilitada e idade avançada. Afirmou ainda que o sistema prisional do DF não dispõe de infraestrutura para atender às suas necessidades médicas e alimentares.
Princípio da igualdade. A lei não prevê tratamento diferenciado para ex-presidentes em relação ao cumprimento de pena. Alegações sobre dieta especial, idade ou status político não têm respaldo jurídico para afastar a aplicação da pena em estabelecimentos prisionais comuns.
Ademais, que autoridade é a vice-governadora para se pronunciar sobre o destino de um condenado? A Constituição Federal estabelece que a execução penal é matéria de competência exclusiva do Poder Judiciário, com fiscalização do Ministério Público e da Defensoria Pública. Políticos não podem se sobrepor às decisões judiciais, sob pena de violar o princípio da separação dos poderes (art. 2º da CF).
Portanto, qualquer manifestação nesse sentido, ainda que revestida de preocupação humanitária, revela-se politicamente enviesada e juridicamente irrelevante. A vice-governadora não é corregedora das penitenciárias nem autoridade judicial.
O art. 5º da Constituição Federal consagra: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.” Isso significa que não pode haver tratamento diferenciado entre um ex-presidente e um cidadão comum. Pergunta-se: a vice-governadora teria a mesma preocupação se o condenado fosse um homem pobre, negro, sem influência política? A seletividade no cumprimento da pena fere frontalmente o princípio da isonomia.
O sistema prisional brasileiro, por mais precário que seja, deve servir a todos os condenados. A Papuda não é hospital particular. Presos que necessitam de acompanhamento médico devem ser tratados nas unidades de saúde vinculadas ao sistema penitenciário, como ocorre com qualquer outro detento.
Bolsonaro, durante a pandemia da Covid-19, adotou postura marcada pela negligência e insensibilidade. Ironizou vítimas dizendo “não ser coveiro”, promoveu medicamentos ineficazes, como cloroquina, e, enquanto milhares morriam, divertia-se esquiando em Santa Catarina com seus aliados. Sua atuação desumana contribuiu para a tragédia sanitária que vitimou centenas de milhares de brasileiros.
Agora, condenado, não pode reivindicar privilégios que negou à população quando estava no poder. Como diz o brocardo jurídico: dura lex, sed lex — a lei é dura, mas é a lei. Quem pratica crimes deve ser punido, independentemente de quem seja. Bolsonaro deve cumprir sua pena como qualquer outro cidadão. Aqui se faz, aqui se paga.
A defesa de tratamento especial para Bolsonaro não encontra respaldo jurídico nem moral. O princípio da igualdade perante a lei exige que todos os condenados sejam tratados da mesma forma. O Judiciário é o único competente para decidir sobre a execução da pena.
O Brasil precisa combater a hipocrisia de autoridades que tentam distorcer a Constituição para satisfazer interesses pessoais ou políticos. A sociedade espera de seus representantes atitudes republicanas, éticas e morais — não discursos seletivos que fragilizam o Estado de Direito.
Júlio César Cardoso
Servidor federal aposentado
Balneário Camboriú-SC
