UNS OLHOS
(Eraldo Galindo)
Diariamente, ao entardecer, Agostinho dobrava os joelhos e, de olhos fechados e mãos espalmadas, orava, pedindo os favores dos céus. Na capela, diante do altar, fitava a Jesus com olhos de súplica, perturbando-lhe o sono na cruz. Os santos viam aquele fervor. Três beatas rezavam o terço, também elas esperando as graças divinas. Era a Hora do Angelus. Agostinho, que não era bem desse mundo, seria padre.
Nascido na roça, menino pobre, viera para o povoado ainda novinho, para servir de companhia a um tio idoso, viúvo e sem filhos; tio de médias posses e ardente alma católica. Foi quando conheceu Frei Jerônimo, que logo enxergou no rapaz uma “verdadeira vocação ao sacerdócio”, como alardeava. Sem dúvida, seria padre.
Desde pequeno, sentia na alma iluminações que não sabia descrever. Uma experiência de beleza absoluta. Como não se tornar padre?
Tinha em Deus todas as respostas às inquietações do ser. Verdade que admirava o sol em chamas nas tardes melancólicas, igualmente as chuvas regando os campos e engordando os rios. Observava, extasiado, a incessante recriação da vida nas sementes a germinar debaixo da terra, nas vacas e ovelhas a parir filhotes, nas metamorfoses das plantas, dos bichos e das pedras. Mas nada se comparava aos arroubos do espírito. Seria padre.
Próximo da idade adulta, enfronhou-se na biblioteca de Frei Jerônimo; adquiriu vernizes teológicos, filosóficos, científicos e outros tantos conhecimentos dispensáveis de relato. O mundo era complexo; a vida, misteriosa e imensa. Sentia que havia muito por pesquisar, ler, anotar, meditar. Preparava-se, seria padre.
Na última festa da padroeira antes do seminário, curtia os fogos de artifício e a dança do pastoril, inebriado com as luzes multicoloridas balançando no ar, o vaivém das pessoas, as conversas alegres dos adultos e os barulhos das crianças. Observava até mesmo as estrelas bailando no céu. Foi quando viu a moça de rosto angelical, olhos amendoados e tez morena — algo entre o humano e o divino. Caminhava entre as barracas num vestido branco imaculado, tendo os negros cabelos ornados por uma fita azul que lhe dava um ar de menina. De súbito, o coração disparou, os nervos retesaram, um suor gelado banhou-lhe as têmporas. Caiu enamorado.
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